SAL E PRATA

RODRIGO BRAGA

Cavar um buraco na terra com uma colher de prata. Um buraco grande o suficiente para que alguém caiba lá dentro. E depois cobrir tudo de novo, deixando ali a colher, enterrada. É isso que Rodrigo Braga faz no vídeo Sal e a prata.
Tão simples quanto fora de propósito, a ação é a concretização de um sonho do artista, com algumas alterações, como nos indicam suas anotações que também fazem parte da obra. Nessa altura já me lembro de como Jung considerava de extrema importância os primeiros sonhos que seus pacientes traziam para as sessões de análise. Sal e prata é, de certa forma, um sonho revivido, e o crítico de arte que tenta aproximar-se do trabalho, em alguma medida, assume a posição do analista. A tarefa é semelhante: dar sentido a conteúdos que muitas vezes não são imediatamente claros nem sequer a quem os produz. Uma certa noção de interpretação, com tudo que ela carrega de incerteza e especulação, nesse caso, nos une.

A linguagem do vídeo aproxima-se curiosamente da forma com que o inconsciente se manifesta nos sonhos: ambos operam por imagens. E as imagens que o vídeo de Rodrigo nos apresenta são ricas em diversos aspectos. A atmosfera é serena, entre chuva e sol, o que fica em evidência é a persistência da ação obstinada do artista, que dá ao vídeo um ritmo sempre constante. A figura do artista protagoniza a ação, solitário diante da câmera. Hesitamos em caracterizar sua presença como encenação. Rodrigo estaria encenando a si mesmo? Os gestos são controlados, planejados e objetivos. São movimentos carregados de intenção, expressivos. Os pés descalços na terra, as mãos são usadas para ajudar a remover a terra, os olhos voltados para baixo, concentrados. O artista aparece absolutamente envolvido, nós podemos sentir sua pele em contato com a terra fria e úmida, as imagens são de uma sensualidade bem pouco ortodoxa.

A busca de integração com a natureza, presente em inúmeros outros trabalhos do artista, aqui toma uma forma mais sombria, não resta dúvidas de que o tema do trabalho é o sepultamento, e portanto, a morte. Mas essa espécie de vontade de retorno ao inorgânico, para continuar no jargão psicanalítico, que aqui se expressa numa fusão com a paisagem, num deixar-se engolir pela cova arduamente construída, não se completa. O que é enterrado é a colher, esse objeto carregado de domesticidade, de afetos, de cuidados, intimamente ligado à nutrição que é uma necessidade vital das mais primitivas. Vida e morte se entrelaçam quando a colher cava o buraco em que é enterrada. O sal faz referência ao suor, à ação, ao movimento, enquanto a prata, da colher, simboliza o que resiste às mudanças. A vida, entendida como devir, implica morte.